Publicado em 1929, O Som e a Fúria, de William Faulkner, é um dos romances mais complexos da literatura americana, marcando o movimento modernista e desafiando as convenções narrativas da época. A obra acompanha a decadência da aristocrática família Compson, no sul dos Estados Unidos, utilizando diferentes perspectivas e experimentando técnicas inovadoras, como o fluxo de consciência, múltiplas vozes narrativas e uma estrutura temporal fragmentada.
O romance é dividido em quatro partes, cada uma com um narrador diferente. A primeira seção, ambientada em 1928, é contada por Benjy Compson, um homem de 33 anos com deficiência intelectual. Sua mente não distingue passado e presente, e suas memórias se misturam de maneira caótica. Ele é profundamente ligado à irmã Caddy, cuja ausência simboliza a perda e a ruína da família. Por meio de suas percepções sensoriais, Faulkner constrói um retrato melancólico da infância e do afeto interrompido.
A segunda seção retorna a 1910 e é narrada por Quentin Compson, o irmão mais velho, que estuda em Harvard. Ele é atormentado pela obsessão com a pureza de Caddy e pelo peso das expectativas familiares. Sua narrativa, repleta de monólogos internos e devaneios, reflete um profundo conflito psicológico e existencial. Preso a um código de honra ultrapassado e incapaz de lidar com as mudanças do mundo ao seu redor, Quentin se entrega ao desespero e ao suicídio, marcando uma das passagens mais intensas e trágicas do livro.
Na terceira seção, situada em 1928, o foco é Jason Compson IV, o irmão mais cínico e cruel. Diferente dos outros, Jason não é guiado por emoções, mas sim pelo ressentimento e pela ganância. Ele despreza Caddy e rouba o dinheiro que ela envia para sua filha, Miss Quentin. Sua visão de mundo é prática e materialista, refletindo o declínio moral dos Compson. O contraste entre sua frieza e o sentimentalismo dos irmãos anteriores reforça a fragmentação da família.
A última seção é narrada por um narrador onisciente e acompanha Dilsey, a empregada negra que, apesar de tudo, continua fiel aos Compson. Através de seu olhar, Faulkner oferece um contraponto de estabilidade e resiliência. Enquanto a família desmorona, Dilsey mantém a casa funcionando, simbolizando a continuidade diante da decadência. Sua perspectiva é a única que oferece alguma esperança, mesmo em meio à destruição.
O título do romance vem de uma passagem de Macbeth, de William Shakespeare, em que o protagonista reflete sobre a insignificância da vida: “É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada.” Essa citação ecoa ao longo da obra, ressaltando a ideia de um mundo caótico e sem sentido, onde os personagens lutam contra forças além de seu controle.
Faulkner utiliza uma narrativa não linear para explorar temas como tempo, memória, identidade e decadência social. O declínio da família Compson representa a queda da aristocracia sulista dos Estados Unidos, uma sociedade presa ao passado e incapaz de se adaptar às transformações do mundo moderno. O fluxo de consciência, os múltiplos pontos de vista e a experimentação estilística tornam O Som e a Fúria uma leitura desafiadora, mas profundamente inovadora e impactante.
Ao final, a história deixa uma sensação de perda irreversível. Os Compson são o retrato de uma família que se destrói sob o peso de seus próprios erros e valores antiquados. Apenas Dilsey permanece, um símbolo de resiliência em meio ao colapso, reforçando a ideia de que, enquanto alguns são consumidos pelo passado, outros encontram maneiras de seguir adiante.