Publicado em 1939, As Três Marias é um dos romances mais delicados e intimistas da escritora cearense Rachel de Queiroz. Com ele, ela encerra o ciclo iniciado por O Quinze, Caminho de Pedras e João Miguel, obras marcadas por forte senso de crítica social e um olhar muito particular sobre a condição feminina. Em As Três Marias, Rachel nos apresenta Maria Augusta, a narradora da história, que rememora, com nostalgia e uma certa melancolia, os tempos de juventude vividos no internato de freiras em Fortaleza. Lá, ela cria laços profundos com duas colegas: Maria da Glória, filha de família tradicional e devota; e Maria José, a mais sonhadora e frágil do trio.
As três meninas formam um triângulo de cumplicidade, amizade e partilha afetiva, vivendo intensamente os anos de formação, entre conversas sussurradas no dormitório, confidências sobre o futuro e inquietações típicas da adolescência. No entanto, a narrativa não é um conto cor-de-rosa sobre a amizade juvenil. Rachel de Queiroz utiliza a memória afetiva de Maria Augusta para refletir sobre os rumos da vida adulta, marcados pela desilusão, pelo peso das convenções sociais, pela impossibilidade de escolha plena, especialmente para as mulheres.
Quando deixam o colégio e ingressam na vida real, o destino das três Marias toma rumos muito diferentes: Maria da Glória torna-se uma dona de casa resignada; Maria José enfrenta a dureza da realidade de forma trágica; e Maria Augusta, dividida entre o conformismo e a rebeldia, busca um espaço para existir fora dos padrões tradicionais. A história é narrada com extrema sensibilidade, revelando as emoções mais sutis e os silêncios mais eloquentes da experiência feminina.
Mais do que um retrato da amizade, As Três Marias é um retrato da transição dolorosa entre o idealismo juvenil e a rigidez do mundo adulto. Rachel de Queiroz denuncia, com elegância e lirismo, as estruturas patriarcais, a educação repressora, os papéis impostos às mulheres e a dificuldade de se encontrar uma voz própria em meio à tradição. A autora constrói um romance de formação, mas também um romance de perda — da infância, das ilusões, das amigas.
Com uma escrita clara, fluida e profundamente emocional, Rachel de Queiroz reafirma em As Três Marias seu talento incomparável para narrar a alma feminina, os laços afetivos e a passagem do tempo. É um livro que continua atual por sua abordagem sensível das frustrações silenciosas vividas pelas mulheres, e que permanece como um dos grandes marcos da literatura brasileira do século XX.