Na fábula “A Coruja e os Passarinhos”, o clássico fabulista francês Jean de La Fontaine constrói um retrato inteligente e crítico sobre as ilusões da sabedoria aparente, o poder da dissimulação e a facilidade com que multidões se deixam enganar pelas aparências. Esta narrativa curta, mas repleta de camadas simbólicas, vai muito além da simplicidade da história contada — ela ecoa reflexões profundas sobre o comportamento humano, a autoridade e o papel da linguagem no exercício do poder.
A história apresenta uma coruja que, percebendo que os passarinhos ao seu redor não compreendiam suas palavras ou intenções, decide adotar uma postura de silêncio. Alegando não querer que suas ideias sejam mal interpretadas, a coruja se cala e, ironicamente, é justamente esse silêncio que a transforma, aos olhos dos outros, em uma figura sábia. Os passarinhos, impressionados pela aparente profundidade daquele silêncio, começam a ver nela uma mestra, uma referência. La Fontaine usa de seu estilo irônico e elegante para mostrar como a ignorância pode se disfarçar de sabedoria, desde que envolta por um véu de mistério e distância.
O ponto central da crítica de La Fontaine está na maneira como as aparências moldam a opinião pública. O silêncio da coruja — que nada tem de nobre ou erudito — é lido pelos outros como um sinal de reflexão, prudência e conhecimento oculto. A fábula, assim, revela o quanto muitas lideranças e figuras de autoridade constroem seu prestígio não pela substância de suas ideias, mas pela habilidade de parecerem sábias. No fundo, é uma denúncia contra a superficialidade das relações sociais e do culto à imagem.
Além disso, a coruja representa um tipo comum na sociedade: o impostor que manipula os outros por meio da encenação e da omissão. E os passarinhos simbolizam a massa ingênua, crédula, que tende a valorizar aquilo que não entende, atribuindo grandeza a tudo que se mostra inacessível ou misterioso. La Fontaine, com sua ironia sutil, sugere que o mundo está cheio de “corujas” respeitadas pelo simples fato de falarem pouco ou parecerem diferentes — mesmo que, no fundo, não tenham nada de especial a dizer.
A fábula se destaca também por sua atemporalidade. Escrita no século XVII, ainda ressoa com enorme atualidade. Em uma era de redes sociais e discursos vazios, o ensinamento de La Fontaine permanece vivo: não devemos confundir aparência com essência, nem mistério com inteligência. A sabedoria verdadeira está no conteúdo, não na forma. O silêncio pode ser valioso, mas também pode esconder a ausência de pensamento.
“A Coruja e os Passarinhos” é, portanto, uma fábula que atravessa o tempo e o espaço com sua crítica elegante e mordaz. É uma obra que estimula o leitor a refletir sobre o valor do pensamento autêntico, a importância do espírito crítico e os perigos de se deixar levar pela ilusão das aparências. Em poucas linhas, La Fontaine oferece uma verdadeira lição de filosofia moral, embalada por uma linguagem poética, leve e ao mesmo tempo profundamente incisiva.