Minha Vida de Menina”, de Helena Morley, é um diário autobiográfico que captura a essência da vida em Diamantina, Minas Gerais, no final do século XIX. Escrito por uma jovem adolescente, o livro é uma janela para o cotidiano, os costumes e as relações sociais de uma época, visto sob a perspectiva fresca, curiosa e muitas vezes espirituosa da autora. Mais do que um relato histórico, a obra encanta pela simplicidade e pela autenticidade de suas observações.
Helena, cujo nome real era Alice Dayrell Caldeira Brant, descreve em detalhes o ambiente familiar, suas amizades e a convivência com a sociedade local. A família de Helena é de classe média, vivendo em uma cidade marcada pela decadência da exploração de diamantes. Essa realidade econômica permeia o livro, com menções às dificuldades financeiras e ao esforço da família para manter as aparências e enfrentar as adversidades do cotidiano.
O livro destaca a relação de Helena com sua mãe, uma figura autoritária e rígida, mas que desperta nela sentimentos contraditórios de amor e rebeldia. A mãe representa a moralidade da época, enquanto Helena, com seu olhar perspicaz, muitas vezes questiona as regras e os comportamentos impostos pela sociedade. Sua voz é de uma menina que observa o mundo ao redor com humor, mas também com um senso crítico que muitas vezes desafia as convenções.
Os eventos do dia a dia são descritos com riqueza de detalhes e um tom que alterna entre o cômico e o comovente. Helena narra as festas, as celebrações religiosas, os trabalhos domésticos e até mesmo os momentos de tédio que marcam sua rotina. O cotidiano é transformado em literatura graças à habilidade da autora de capturar os pequenos detalhes que dão vida às suas experiências.
Um aspecto notável de “Minha Vida de Menina” é a maneira como Helena aborda questões sociais e culturais de forma quase inconsciente. Embora não se proponha a fazer críticas sociais, sua escrita revela desigualdades de classe, os papéis de gênero e as relações de poder presentes em sua comunidade. Os escravizados recém-libertos, por exemplo, aparecem em várias passagens, oferecendo uma visão da transição social que o Brasil vivia após a abolição da escravidão em 1888.
A naturalidade e a sinceridade de Helena fazem com que o leitor se identifique com suas alegrias, medos e inseguranças. Apesar das diferenças temporais e culturais, suas experiências têm uma universalidade que ressoa com leitores de todas as idades. Os pequenos conflitos familiares, as descobertas sobre si mesma e as tentativas de entender o mundo ao seu redor são aspectos que transcendem o contexto específico em que a história se passa.
A escrita de Helena é marcada por uma espontaneidade que dá à obra um caráter intimista e envolvente. Seu estilo simples, mas perspicaz, permite que o leitor se sinta parte de sua vida, como se estivesse ouvindo as confidências de uma amiga próxima. Essa proximidade é um dos motivos pelos quais o livro continua sendo uma leitura tão cativante.
Publicada pela primeira vez em 1942, a obra foi amplamente elogiada por escritores como Guimarães Rosa e Elizabeth Bishop, que ajudaram a torná-la conhecida no exterior. Hoje, “Minha Vida de Menina” é considerado um clássico da literatura brasileira e um dos melhores exemplos de narrativa autobiográfica do país.
O diário de Helena não é apenas um registro histórico ou um relato pessoal; é um testemunho de como a literatura pode capturar a essência de uma época e, ao mesmo tempo, revelar verdades atemporais sobre a condição humana. “Minha Vida de Menina” é uma celebração da infância, da curiosidade e da resiliência, um retrato inesquecível de uma menina que observa o mundo com olhos atentos e um coração cheio de vida.