A clássica fábula “O Lobo e o Cordeiro”, de Esopo, apresenta um encontro entre dois animais em posições hierárquicas distintas: o predador, o lobo, e sua suposta presa, o cordeiro. A história se inicia em um riacho, onde ambos vão para saciar a sede. O lobo está na parte superior da corrente, enquanto o cordeiro se encontra abaixo. Essa geografia inicial já sugere a diferença de poder entre eles: o lobo está acima, simbolicamente e fisicamente.
O lobo, com sede de conflito e dominação, acusa o cordeiro de turvar a água que ele está bebendo. O cordeiro, surpreso, tenta se defender racionalmente, dizendo que é impossível, pois a água desce do lobo para ele. Ainda assim, a lógica não basta para aplacar a fúria do lobo. Diante do primeiro argumento frustrado, o lobo inventa uma nova acusação: diz que o cordeiro o insultou no ano anterior.
O cordeiro, com doçura e honestidade, responde que nem havia nascido na época mencionada. Ele tenta dialogar com humildade, baseado na verdade, mas percebe que sua inocência não o protegerá. O lobo, então, muda novamente sua abordagem: acusa o cordeiro de se parecer com um irmão seu que também havia ofendido sua família. Essa afirmação absurda e sem base revela o desejo do lobo de justificar o injustificável.
À medida que o diálogo prossegue, a tensão cresce. O cordeiro está cercado por palavras agressivas que não visam à justiça, mas sim à dominação. Não importa o que diga, o lobo já havia decidido o desfecho desde o início. O cordeiro representa o indivíduo inocente e vulnerável, que acredita no poder da razão, mas que, diante de um tirano, descobre a impotência da lógica contra o autoritarismo cego.
No momento final, sem qualquer base real, o lobo encerra o “julgamento” afirmando que está com fome e, por isso, vai devorar o cordeiro. Não há defesa que resista à vontade de poder. Esopo, nesse desfecho seco e direto, denuncia uma realidade brutal: a força, quando desprovida de ética, anula qualquer tentativa de justiça.
O poder do lobo é arbitrário. Ele não age por necessidade legítima, mas por prazer em subjugar. A racionalização de suas ações — usando falsos argumentos — ecoa o comportamento de muitos opressores ao longo da história, que tentam revestir seus atos de violência com justificativas morais ou legais. A fábula, embora curta, toca em temas profundos como abuso de autoridade, manipulação da verdade e a fragilidade da justiça diante do poder bruto.
A mensagem é clara: os fortes, quando não guiados por valores éticos, criam regras que só servem para manter os fracos submissos. Esopo mostra que, em determinadas situações, a razão do mais fraco pode ser sufocada pela vontade do mais forte. É uma crítica contundente às estruturas sociais injustas, que se repetem em diferentes tempos e formas.
Além disso, “O Lobo e o Cordeiro” alerta o leitor sobre o perigo de confiar cegamente na justiça quando ela está nas mãos de quem não se importa com ela. A história ensina que, infelizmente, a verdade e a inocência nem sempre protegem o justo, e que a maldade pode se disfarçar de razão para justificar atrocidades.
Por fim, essa fábula nos convida à reflexão sobre nosso próprio comportamento e sobre o mundo à nossa volta. Quando ignoramos a voz dos mais fracos, ou nos calamos diante da injustiça, agimos como o lobo, mesmo sem dentes. Esopo, com maestria, transforma um simples encontro entre animais em uma poderosa metáfora sobre o poder, a opressão e a importância da consciência ética.