“A Noite das Mulheres Cantoras”, de Lídia Jorge, é um romance que mergulha no universo do feminino, da arte e da memória, construindo uma narrativa sensível sobre as relações humanas, o sucesso e o esquecimento. A história parte do reencontro de várias mulheres que, décadas antes, formaram um grupo vocal de grande projeção. Agora, com o tempo passado e as vidas transformadas, uma delas, Solange, decide reunir as antigas companheiras para reviver um momento especial.
A narrativa se articula por meio da memória e da voz interior de Solange, que resgata as angústias, as rivalidades, os sonhos e as frustrações vividas pelas integrantes do conjunto. A reunião proposta é mais do que uma simples rememoração: trata-se de um ajuste de contas com o passado, uma tentativa de reconstruir identidades perdidas no tempo, num cenário marcado por ausências e silêncios eloquentes.
As mulheres cantoras, cada uma à sua maneira, representam diferentes arquétipos femininos: a idealista, a conformada, a transgressora, a sonhadora. Através delas, Lídia Jorge desenha um painel sobre o papel da mulher na sociedade, especialmente no mundo artístico, onde os holofotes muitas vezes iluminam apenas o que convém ao olhar masculino e ao mercado.
O tempo é um personagem invisível, mas poderoso. Ele transforma os corpos, molda as lembranças, distorce verdades. E, sobretudo, impõe uma reflexão sobre a permanência e a efemeridade da arte e da fama. O brilho do passado contrasta com a sombra do presente, onde cada uma das mulheres precisa lidar com suas escolhas, suas perdas e suas cicatrizes.
O tom do romance oscila entre o poético e o melancólico. A escrita de Lídia Jorge é marcada por uma prosa lírica, repleta de imagens sensoriais, que intensificam a experiência emocional do leitor. Cada página é carregada de sensibilidade e crítica, fazendo com que a obra não se limite à história de um grupo, mas alcance reflexões universais.
A figura do maestro e produtor, que comandava o grupo com mão firme e pouco espaço para diálogo, encarna o autoritarismo simbólico que muitas vezes silencia as mulheres, mesmo quando suas vozes são o centro do espetáculo. Essa relação de poder é constantemente revisitada pelas personagens, que agora, distantes dele, buscam ressignificar seus lugares.
O título do romance – “A Noite das Mulheres Cantoras” – é emblemático: a noite sugere escuridão, mas também mistério, intimidade, confissão. E essas mulheres, antes símbolo de beleza e harmonia, agora se revelam em suas fragilidades, num canto mais livre e autêntico. É nessa noite simbólica que elas têm a chance de cantar por si mesmas, sem a tutela de ninguém.
Ao resgatar essa noite, Lídia Jorge promove um acerto de contas entre a memória e o presente, entre o sucesso e a identidade. O livro fala sobre reencontros, mas também sobre rupturas; sobre o que foi dito, e principalmente, sobre o que ficou calado ao longo dos anos. E é nesse não-dito que reside a força do romance.
Em suma, “A Noite das Mulheres Cantoras” é uma obra profundamente humana, que convida o leitor a escutar as vozes silenciadas pela história e a refletir sobre o que se perde quando uma mulher deixa de cantar por si mesma. É um romance sobre o eco – da voz, da dor e da beleza.