“As Boas Mulheres da China”, de Xinran, é um testemunho pungente da vida de mulheres chinesas durante e após a Revolução Cultural. A autora, jornalista e apresentadora de rádio, utiliza sua experiência como comunicadora para reunir relatos reais e comoventes de mulheres que confiaram a ela suas histórias de dor, resistência e sobrevivência.
Ao longo do livro, Xinran apresenta as vozes silenciadas de diversas mulheres que enfrentaram abusos, perdas, humilhações e privações extremas, em uma sociedade marcada pelo autoritarismo, pela desigualdade de gênero e pela repressão emocional. Muitas dessas histórias foram contadas em seu programa de rádio, que se tornou um raro espaço de escuta e empatia.
O título da obra carrega ironia e ambiguidade: o que significa ser uma “boa mulher” na China? As narrativas evidenciam que essa bondade, muitas vezes, se traduz em submissão, sacrifício e silêncio. Xinran questiona esse modelo, dando espaço para que essas mulheres gritem o que antes lhes era proibido sequer sussurrar.
Cada capítulo do livro traz uma história diferente, construída com sensibilidade e honestidade. São relatos de mulheres que foram separadas de seus filhos, violentadas por soldados, obrigadas a esconder sentimentos, e punidas por amar. São experiências pessoais que revelam as engrenagens de uma opressão coletiva.
A força da escrita de Xinran está na empatia e na escuta. Ela não julga nem idealiza essas mulheres. Ao contrário, ela lhes oferece uma dignidade que a história lhes negou. A autora também narra suas próprias descobertas e dores, revelando como essas histórias a transformaram como mulher e profissional.
O livro é também um retrato íntimo da China contemporânea e de suas feridas históricas. Ao revelar os dramas pessoais, Xinran constrói uma crítica social poderosa, mostrando como o regime político afetou as estruturas familiares, os afetos e a própria ideia de identidade feminina.
Apesar da dureza dos relatos, há momentos de ternura, esperança e resistência. Algumas personagens encontraram formas de superar ou transformar suas dores, outras ainda vivem as consequências dos traumas. Mas todas compartilham uma coragem silenciosa e, em muitos casos, desconhecida até por elas mesmas.
“As Boas Mulheres da China” é mais do que uma coletânea de depoimentos: é um grito coletivo de mulheres que, por séculos, foram ensinadas a calar. Xinran oferece a essas vozes uma plataforma para que sejam finalmente ouvidas, num gesto de profunda humanidade e reparação simbólica.
Em suma, o livro é essencial para quem deseja compreender a complexidade da condição feminina na China, bem como refletir sobre o poder das histórias e da escuta. Xinran transforma o ato de ouvir em resistência, e o de escrever, em justiça.