“Marilu”, conto de Ivan Ângelo, é uma narrativa breve, intensa e crítica que explora, com ironia e sutileza, temas como moralidade, hipocrisia social, sexualidade e o papel da mulher. Através da figura de Marilu, o autor apresenta uma personagem que desafia os padrões estabelecidos e expõe o juízo moral coletivo que frequentemente mascara desejos e preconceitos.
O enredo gira em torno da personagem-título, Marilu, uma jovem que passa a ser alvo dos comentários da vizinhança. A história é contada por um narrador que observa como ela é vista pela comunidade: uma mulher “moderna”, com hábitos considerados ousados para o meio conservador onde vive. Sua maneira de vestir, sua liberdade e autonomia incomodam profundamente os moradores.
Ao longo da narrativa, Ivan Ângelo constrói um retrato social da vizinhança que observa Marilu com uma mistura de fascínio, inveja e condenação. Os homens a desejam secretamente, enquanto as mulheres a criticam abertamente — uma dinâmica que evidencia a hipocrisia das convenções morais. Marilu, por sua vez, segue sua vida sem se importar com os julgamentos, o que a torna ainda mais provocadora aos olhos dos outros.
O conto não se limita à figura de Marilu, mas amplia seu escopo para criticar a sociedade como um todo, especialmente a pequena burguesia urbana que vive de aparências. O autor usa uma linguagem direta, mas cheia de ironias, para revelar como o desejo reprimido e o moralismo andam de mãos dadas.
Um elemento interessante é que Marilu jamais tem voz direta na narrativa — ela é sempre vista através dos olhos dos outros. Isso reforça a ideia de que a imagem que os personagens fazem dela está mais ligada às projeções pessoais do que a quem ela realmente é. Marilu é um espelho das contradições sociais, mais do que uma figura plenamente conhecida.
Ivan Ângelo propõe, assim, uma reflexão sobre como as normas sociais tentam controlar o comportamento feminino e punem a liberdade das mulheres, enquanto toleram (e até celebram) atitudes masculinas semelhantes. Marilu transgride esses códigos, e por isso é simultaneamente desejada e demonizada.
O final do conto é provocativo e deixa espaço para múltiplas interpretações. Não há um desfecho dramático ou explicativo, mas sim a manutenção da tensão moral: Marilu permanece uma presença incômoda, viva e irredutível, que desmonta as certezas da comunidade. Ela sobrevive — e vence — justamente por ser inclassificável.
A força de “Marilu” está em sua concisão e profundidade. Em poucas páginas, Ivan Ângelo consegue lançar uma crítica poderosa ao conservadorismo e à vigilância social sobre os corpos e escolhas alheias. O conto se destaca por revelar que, muitas vezes, a condenação pública é apenas o disfarce de um desejo mal resolvido.