“Fogo Morto”, publicado em 1943, é considerado o ápice da obra de José Lins do Rego e encerra a fase do chamado “Ciclo da Cana-de-Açúcar”. O romance apresenta um retrato profundo e melancólico da decadência dos engenhos de açúcar no Nordeste brasileiro, explorando personagens marcantes em um mundo em ruínas.
A narrativa é dividida em três partes, cada uma centrada em um personagem: o mestre José Amaro, o capitão Vitorino Carneiro da Cunha e o proprietário do engenho Santa Fé, coronel Lula de Holanda. Cada um representa um aspecto da sociedade rural nordestina em transição e crise.
Na primeira parte, acompanhamos o mestre José Amaro, um artesão orgulhoso, religioso e rígido. Ele luta para manter sua dignidade em um ambiente que não valoriza mais sua profissão. Sua relação com a mulher e o filho é marcada por repressão e desilusão. José Amaro simboliza o homem pequeno que sofre com a mudança dos tempos.
A segunda parte gira em torno do capitão Vitorino, uma figura excêntrica e idealista que acredita estar a serviço da justiça e da honra. Vive em um mundo próprio, combatendo “injustiças” que mais ninguém vê. Sua luta, marcada por discursos inflamados e gestos teatrais, representa a inutilidade do heroísmo solitário diante de um mundo pragmático.
A terceira e mais impactante parte trata do coronel Lula de Holanda, decadente senhor de engenho que tenta manter o prestígio de sua família em meio à ruína econômica. Sua arrogância e autoritarismo contrastam com a miséria crescente ao seu redor. É um retrato simbólico da falência do patriarcalismo rural.
O romance não apresenta heróis no sentido clássico, mas personagens profundamente humanos, presos às suas limitações, às estruturas sociais opressoras e à marcha implacável da modernização e do abandono. “Fogo Morto” descreve, com lirismo e crítica, a morte lenta de um mundo tradicional.
A linguagem de José Lins do Rego é ao mesmo tempo poética e direta, com forte influência oral e regionalista. Ele constrói, assim, um panorama realista do sertão paraibano, povoado por figuras que parecem maiores do que a vida, mas que sucumbem à realidade.
“Fogo Morto” denuncia a desigualdade social, a exploração do trabalho rural, o autoritarismo dos senhores de engenho e a hipocrisia religiosa. Mas o faz sem maniqueísmos, mergulhando no psicológico de cada personagem com empatia e profundidade.
O título remete à imagem do fogo que ardeu intensamente nos tempos áureos dos engenhos, mas agora é apenas brasa apagada. “Fogo Morto” é, assim, um retrato pungente da decadência de um sistema e de seus símbolos — e um dos grandes romances da literatura brasileira.