Em “Decisão Judicial e Argumentação Jurídica”, o jurista Lenio Luiz Streck propõe uma análise crítica sobre o modo como juízes tomam decisões no Brasil, questionando o uso subjetivo do direito e defendendo a necessidade de uma hermenêutica constitucional coerente. A obra é um marco para quem busca compreender os limites e responsabilidades da magistratura em um Estado Democrático de Direito.
Desde o início, Streck critica o chamado “decisionismo jurídico” – a prática de decidir casos com base na vontade pessoal do juiz, e não no direito propriamente dito. Ele argumenta que esse tipo de postura compromete a segurança jurídica, tornando a aplicação do direito arbitrária e imprevisível. Para Streck, o juiz não deve “criar” o direito a partir de sua consciência, mas sim interpretá-lo conforme os princípios constitucionais.
A obra é fortemente ancorada na filosofia hermenêutica, especialmente nas ideias de Gadamer. Streck utiliza esse arcabouço teórico para mostrar que a interpretação jurídica não é livre: ela está condicionada à linguagem, à tradição e aos sentidos possíveis dentro do texto normativo. Isso implica responsabilidade e rigor no ato de julgar.
Lenio Luiz Streck também critica o uso equivocado da argumentação jurídica. Ele afirma que muitos juízes usam argumentos retóricos ou morais para justificar decisões que, na verdade, são arbitrárias. O autor defende o modelo do “discurso racional” como base para a fundamentação das decisões judiciais, ou seja, um processo argumentativo guiado por coerência, integridade e racionalidade.
A obra propõe a ideia do “decisor responsável”, que entende a função jurisdicional não como um exercício de poder pessoal, mas como uma prática institucional orientada pela Constituição. Nesse sentido, Streck valoriza o papel das decisões colegiadas, da doutrina e da jurisprudência como elementos de controle e legitimação.
Um ponto central do livro é a crítica ao uso vulgar do “princípio da proporcionalidade” como justificativa genérica para qualquer tipo de decisão. Streck alerta que, sem critérios objetivos, esse tipo de raciocínio enfraquece o direito e permite interpretações personalistas, transformando o princípio em um “coringa” do arbítrio judicial.
Ao longo dos capítulos, Streck recorre a exemplos concretos, inclusive decisões do STF e STJ, para ilustrar a tensão entre o direito e a moral, o texto e a vontade do intérprete. Ele mostra como muitas decisões judiciais se afastam do dever constitucional de fundamentação adequada, caindo em narrativas subjetivas e até populistas.
O livro também aborda a importância da dogmática jurídica como limite epistemológico para a atuação dos juízes. Para Streck, abandonar a dogmática é abandonar o direito. Ele reafirma a necessidade de manter uma postura metodológica comprometida com a legalidade, evitando o ativismo desmedido e o personalismo judicial.
“Decisão Judicial e Argumentação Jurídica” é, portanto, uma obra crítica, provocadora e indispensável para magistrados, advogados, promotores e estudantes. Lenio Luiz Streck nos convida a pensar a jurisdição como atividade técnica, responsável e vinculada aos compromissos democráticos da Constituição – e não como espaço para arbitrariedades travestidas de justiça.