A Última Quimera, de Ana Miranda, é uma obra intensa e sensível que entrelaça ficção e realidade para recriar a vida de um dos maiores poetas brasileiros: Augusto dos Anjos. Com sua escrita poética e fluida, Ana Miranda constrói um romance que mescla memória, arte e crítica social, ao mesmo tempo em que homenageia a complexidade da alma atormentada do poeta.
O romance é narrado por uma personagem fictícia, Ana, uma escritora que se debruça sobre a biografia de Augusto dos Anjos, tentando entender sua obra, sua angústia e sua visão de mundo. A investigação da narradora nos leva a mergulhar em cartas, cadernos, recortes e vestígios da existência do poeta, num esforço de reconstrução literária e emocional.
Por meio dessa estrutura narrativa fragmentada e metaficcional, Ana Miranda explora o processo criativo e os limites entre o autor e sua obra. A figura de Augusto dos Anjos surge como um homem isolado, incompreendido em seu tempo, e obcecado pela morte, pelo corpo em decomposição e pelas contradições da existência humana — temas centrais de sua poesia.
A autora ambienta grande parte da história na Paraíba do final do século XIX e início do XX, refletindo sobre a cultura brasileira, as desigualdades regionais, o preconceito intelectual e o conflito entre ciência e espiritualidade. O cenário é marcado por uma atmosfera opressiva e decadente, que ajuda a compor o espírito melancólico do poeta.
Ana Miranda não apenas relata os fatos da vida de Augusto dos Anjos, mas também propõe uma leitura afetiva e simbólica de sua trajetória. A quimera do título representa o ideal inalcançável que move o poeta — a busca pela verdade última, pela palavra absoluta, pela eternidade por meio da arte. Essa quimera, por fim, é tanto poética quanto existencial.
O romance constrói, aos poucos, uma imagem rica e contraditória do protagonista: ao mesmo tempo lúcido e delirante, orgulhoso e sensível, moderno e antiquado. A linguagem do livro é um destaque à parte, com trechos que imitam o estilo rebuscado e científico de Augusto dos Anjos, enquanto outros assumem um tom lírico e filosófico.
A narradora Ana também se transforma ao longo da narrativa. O contato com a obra e a vida do poeta provoca nela reflexões sobre o tempo, a memória, a criação literária e o próprio sentido da existência. Assim, o romance torna-se um diálogo entre dois mundos separados por décadas, mas unidos por uma mesma inquietação poética.
No clímax do livro, a autora reconstrói os momentos finais da vida do poeta com grande delicadeza, aproximando a ficção do real. A morte de Augusto dos Anjos, em 1914, longe de ser o fim da história, é apresentada como o início de seu legado — uma existência marcada pelo sofrimento, mas também pela transcendência artística.
A Última Quimera é uma obra densa e literária que exige do leitor atenção e sensibilidade. Com maestria, Ana Miranda transforma a figura de Augusto dos Anjos num símbolo da dor humana e do poder redentor da poesia. Um livro sobre morte, sim — mas também sobre a beleza de continuar buscando, mesmo quando tudo parece perdido.