Em “Processo Constitucional: Crítica e Justificação”, o jurista Marcelo Neves propõe uma abordagem crítica sobre o papel e a estrutura do processo constitucional no Estado Democrático de Direito. A obra vai além da análise técnico-processual, aprofundando-se nas implicações filosóficas, políticas e sociológicas da jurisdição constitucional, sobretudo no contexto brasileiro contemporâneo.
Logo no início do livro, Marcelo Neves critica a crescente hipertrofia do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, que tem assumido funções legislativas e políticas em nome da “interpretação constitucional”. Essa judicialização da política, segundo o autor, demanda uma revisão conceitual e funcional do próprio processo constitucional, sob pena de se comprometer a legitimidade democrática.
O autor rejeita uma visão puramente formalista ou tecnicista do processo constitucional. Em vez disso, ele propõe uma teoria crítica que considera os fundamentos normativos e sociológicos da Constituição e da jurisdição. A ideia central é que a aplicação do Direito Constitucional não pode ser dissociada das condições concretas de justiça social e pluralismo.
Marcelo Neves também dialoga com autores como Niklas Luhmann, Jürgen Habermas e Robert Alexy, ao mesmo tempo em que constrói sua própria perspectiva sobre a complexidade dos sistemas jurídicos. A teoria dos sistemas sociais de Luhmann, em especial, serve de base para a análise da função autopoiética (auto-referente) do Direito e seus limites na efetividade democrática.
Um ponto de destaque é a discussão sobre a “justificação” do processo constitucional, que, para Neves, não pode se limitar ao plano da coerência argumentativa. É preciso que o processo constitucional se justifique também no plano da legitimidade social, ou seja, que seja percebido como legítimo por diferentes setores da sociedade — inclusive os mais marginalizados.
A obra critica a seletividade da atuação jurisdicional, que muitas vezes se mostra sensível às demandas das elites, mas surda às vozes populares. Essa assimetria de acesso à justiça constitucional revela uma distorção do modelo democrático, que Neves combate com argumentos que cruzam Direito, política e teoria crítica.
Outro tema importante tratado no livro é a necessidade de estabelecer freios à atuação do Judiciário, por meio de mecanismos de controle democrático e maior abertura institucional à participação social. O autor defende, por exemplo, a ampliação do debate público sobre decisões constitucionais e o uso mais criterioso do princípio da proporcionalidade.
Com estilo denso, porém claro, Marcelo Neves articula teoria e prática jurídica em um livro que questiona os pilares do direito constitucional contemporâneo. Sua crítica não é destrutiva, mas construtiva: aponta caminhos possíveis para o aprimoramento democrático do processo constitucional, com base em uma cultura jurídica mais reflexiva e responsável.
“Processo Constitucional: Crítica e Justificação” é, portanto, uma leitura essencial para estudiosos do Direito que desejam ir além da dogmática tradicional. Marcelo Neves oferece ao leitor um convite ao pensamento crítico, fundamentado e profundamente comprometido com a justiça e a democracia em sua dimensão mais concreta e complexa.