“O Cervo e a Videira”, de Fedro, é uma fábula curta, mas profundamente simbólica, que expõe com sutileza a fragilidade da ingratidão e os riscos da ilusão de segurança. A história gira em torno de um cervo em fuga e sua tentativa desesperada de escapar dos caçadores, buscando abrigo e proteção em um local que, aparentemente, lhe oferece salvação.
A narrativa começa com o cervo sendo perseguido por caçadores em meio à floresta. Em pânico, ele corre o mais rápido que pode até encontrar uma videira frondosa. Vendo nela uma chance de se ocultar, ele se esconde entre os galhos e folhas, que o cobrem completamente da vista dos homens e de seus cães. Por um momento, o cervo sente-se aliviado e em segurança, crendo que escapou de seu destino.
Enquanto os caçadores se afastam, sem notar sua presença, o cervo começa a se sentir seguro demais. Seu alívio se transforma em arrogância e, ao invés de manter-se em silêncio e respeitar a planta que o acolheu, ele começa a devorar as folhas da videira que o escondeu. Esse gesto impulsivo e ingrato acaba atraindo atenção: os galhos se agitam, e o movimento revela sua localização.
Os caçadores, percebendo a agitação da vegetação, voltam e rapidamente o descobrem. Assim, o cervo é capturado, e sua tentativa de fuga termina em tragédia. O desfecho vem com a sua constatação amarga: foi a sua própria ação — a de destruir quem o protegia — que o condenou. Ele reconhece que sua ganância e falta de respeito foram a verdadeira causa de sua ruína.
A moral da fábula, como em tantas outras obras de Fedro, é direta e contundente: a ingratidão e a imprudência podem nos trair mais do que qualquer inimigo externo. Ao ferir ou abusar daqueles que nos ajudam, podemos comprometer a própria proteção que buscávamos. Essa lição ecoa tanto no plano individual quanto no coletivo, aplicando-se a relações pessoais, sociais e até mesmo à natureza.
A videira, nesse contexto, simboliza tudo aquilo que nos abriga, mesmo que temporariamente — amigos, família, instituições, valores, ou até a própria natureza. O cervo, ao não respeitar essa ajuda, age com egoísmo e imediatismo, ignorando o princípio da gratidão. Fedro, com poucas palavras, nos convida a refletir sobre o equilíbrio entre necessidade e respeito, entre sobrevivência e ética.
Outro elemento simbólico poderoso é a ilusão de segurança. O cervo, ao acreditar que está fora de perigo, relaxa demais e comete um erro crucial. Isso nos remete à fragilidade da proteção baseada apenas nas aparências ou no momento, e como o excesso de confiança pode ser tão perigoso quanto o medo.
Fedro também lança uma crítica à impulsividade e à falta de autocontrole. O cervo poderia ter esperado, refletido, respeitado o espaço que o salvou. Mas seu instinto o levou a agir no curto prazo, pensando em saciar a fome sem considerar as consequências. Esse tipo de comportamento é frequente na vida humana e mostra como pequenas decisões impensadas podem ter grandes efeitos.
“O Cervo e a Videira” é mais do que uma fábula de animais — é um ensinamento moral atemporal. Com simplicidade e força simbólica, Fedro nos alerta sobre os riscos da ingratidão e da autossabotagem. É uma leitura que permanece atual, especialmente em tempos em que o respeito por quem nos acolhe ou ajuda nem sempre é retribuído com a mesma generosidade.