“O Filho Eterno”, de Cristovão Tezza, é uma obra intensa, autobiográfica e comovente que mergulha no íntimo de um pai diante do nascimento de um filho com síndrome de Down. Publicado em 2007, o romance conquistou diversos prêmios literários, como o Jabuti e o Prêmio Portugal Telecom, justamente por sua honestidade brutal, linguagem refinada e sensibilidade rara ao tratar um tema tão delicado.
O narrador — um escritor em formação, espelhado no próprio autor — se depara com a notícia do diagnóstico logo após o parto. O que se segue não é um relato açucarado de superação, mas sim o desnudamento cru de sentimentos que muitos evitam confessar: frustração, medo, culpa, vergonha e até rejeição. É esse enfrentamento despido de idealizações que faz de “O Filho Eterno” uma obra tão poderosa.
Ao longo da narrativa, acompanhamos a transformação do protagonista, suas resistências internas, sua crise de identidade como pai e escritor, e a maneira como o filho, com sua presença silenciosa, transforma tudo ao redor — inclusive o tempo. O título é carregado de sentido: o filho não apenas rompe com o ideal de “normalidade” projetado pelo pai, como também o coloca diante de uma experiência de amor que escapa ao controle, ao plano e à linguagem.
A estrutura do livro, escrita em terceira pessoa, é fundamental para o tom confessional sem sentimentalismo. O distanciamento narrativo permite ao autor lidar com questões íntimas sem cair na autopiedade ou na vitimização. A linguagem é clara, elegante e precisa, como se cada frase buscasse dar conta do indizível, do conflito entre razão e emoção, expectativa e realidade.
Há também uma crítica sutil ao machismo, ao ego masculino e às construções sociais sobre sucesso, perfeição e paternidade. O protagonista, que sonhava em escrever o grande romance brasileiro, vê-se obrigado a lidar com a complexidade da vida real — e é justamente essa experiência concreta que o leva, paradoxalmente, à sua obra mais profunda.
“O Filho Eterno” é, em última instância, um livro sobre amadurecimento, sobre o impacto irreversível que um filho — qualquer filho — tem sobre a existência de um pai. Mas também é uma reflexão sobre arte, literatura, fracasso e reinvenção. Ao rejeitar a idealização, Cristovão Tezza criou uma narrativa universal e tocante, que fala diretamente ao coração, sem esconder as sombras.