“Crônica da Casa Assassinada”, de Lúcio Cardoso, é uma das obras mais densas e perturbadoras da literatura brasileira. Publicado em 1959, o romance mergulha na decadência de uma família mineira aristocrática, destruída por seus próprios segredos, paixões proibidas e silêncios sufocantes. A história é contada por meio de cartas, diários e confissões fragmentadas, criando uma teia de subjetividades intensas, dolorosas e contraditórias.
No centro da narrativa está a casa, figura simbólica da tradição e da ruína. Ela não apenas abriga os personagens — ela os consome, os vigia, os envenena. É um organismo vivo, carregado de repressão e culpa, que lentamente conduz todos à destruição. A “casa assassinada” do título não é só um lugar físico, mas também um estado de espírito.
O patriarca decadente, o silêncio cúmplice das paredes, os irmãos dominados por ciúmes, ressentimentos e homossexualidade reprimida, a chegada da forasteira Nina — tudo em “Crônica da Casa Assassinada” gira em torno da impossibilidade de salvação e da força destrutiva da moral hipócrita. Nina, com sua sensualidade e liberdade, rompe com a rigidez do ambiente, e por isso é rejeitada e silenciada. Mas sua presença desencadeia uma série de revelações que vão corroer o que restava da família.
Lúcio Cardoso constrói um romance psicológico e modernista, que se aproxima da escrita de William Faulkner e Dostoiévski. A fragmentação narrativa reflete os estilhaços das vidas dos personagens — cada um perdido em seu próprio labirinto emocional. Não há redenção clara, nem moralidade convencional. O que há é a exposição crua do sofrimento humano, da loucura, do desejo e da culpa.
A escrita é densa, lírica, poética e claustrofóbica. As frases longas, os monólogos interiores e a atmosfera opressiva criam uma sensação de asfixia. É um livro que exige entrega total do leitor, mas que recompensa com uma das experiências literárias mais impactantes da ficção brasileira.
Mais do que uma crônica sobre a morte de uma casa, a obra é uma elegia à falência de valores herdados e à tragédia da incomunicabilidade. Cada personagem é uma vítima e também um carrasco, preso às próprias limitações e incapacidades de amar, perdoar e aceitar o outro.
Ao fim da leitura, fica a sensação de que não apenas a casa foi assassinada, mas também tudo aquilo que um dia sustentou a ideia de família, honra e pertencimento. Lúcio Cardoso escreveu não só um romance, mas uma ruína em forma de livro — bela, devastadora e inesquecível.