“O Evangelho Segundo Barrabás”, de Fernando Bonassi, é uma obra provocadora que reinterpreta um dos episódios mais conhecidos da Bíblia: a libertação de Barrabás no lugar de Jesus. A partir dessa premissa, o autor constrói uma narrativa intensa, carregada de simbolismo, crítica social e reflexão existencial.
A história é contada a partir da perspectiva do próprio Barrabás, o criminoso libertado pela multidão em vez de Jesus. Em sua versão dos fatos, ele relata sua vida após a surpreendente libertação e a angústia que acompanha o peso dessa troca. A liberdade, em vez de ser um alívio, se torna uma maldição existencial.
Bonassi cria uma ambientação árida e simbólica, repleta de figuras alegóricas. O personagem de Barrabás é retratado como um homem dividido entre a culpa, o cansaço e a perplexidade diante da sociedade que escolheu livrá-lo. Ele se vê constantemente confrontado com a memória do homem justo que morreu em seu lugar.
O autor mistura tempos e vozes narrativas, colocando Barrabás como uma figura atemporal, quase um reflexo do homem moderno. O texto brinca com a linguagem bíblica, mas traz também tons urbanos, poéticos e políticos. É uma reinterpretação subversiva que levanta questões sobre justiça, sacrifício e redenção.
Barrabás se torna, ao longo da narrativa, uma espécie de “anti-messias”, observando o mundo com olhos desencantados. Ele não entende por que foi poupado, mas tenta buscar sentido em sua sobrevivência, mesmo enquanto carrega a constante sombra de Jesus como símbolo de tudo que ele não foi.
Fernando Bonassi também utiliza a figura de Barrabás para criticar estruturas de poder, manipulação de massas e os mecanismos de punição e perdão na sociedade. O livro assume um tom quase teatral, com frases cortantes e imagens poderosas, lembrando um monólogo trágico e político.
A obra sugere que, no fundo, todos somos Barrabás — condenados à liberdade sem sabermos o que fazer com ela, carregando uma culpa que não sabemos se merecemos. A salvação, aqui, não vem com milagres, mas com a luta interna pela compreensão do próprio valor diante de um sacrifício alheio.
Ao final, Barrabás não encontra redenção clara, mas uma espécie de lucidez amarga. Sua trajetória é a de alguém que não pediu para viver, mas que precisa continuar mesmo assim, tentando entender o preço de estar vivo quando outros não puderam estar.
“O Evangelho Segundo Barrabás” é uma reflexão literária potente sobre identidade, destino e culpa. Fernando Bonassi entrega uma obra breve, densa e inesquecível, que desafia a moral tradicional e amplia as possibilidades do evangelho ao apresentar uma versão humana, falha e profundamente tocante da história.