Na fábula “O Camaleão e o Sol”, Millôr Fernandes utiliza sua habitual ironia e inteligência para criar uma narrativa curta, mas profundamente simbólica, sobre vaidade, identidade e a ilusão de poder. A história gira em torno de um camaleão que, ao notar sua capacidade de mudar de cor, começa a se ver como uma criatura especial e poderosa.
Orgulhoso de sua habilidade, o camaleão se acredita superior aos outros animais, vangloriando-se de sua camuflagem perfeita e da aparente autonomia de sua aparência. Ele vê essa característica como uma forma de dominação sobre o ambiente e como símbolo máximo de liberdade e controle.
Porém, ao tentar competir com o Sol — fonte de luz e vida — o camaleão comete um erro fatal de julgamento. Ele se posiciona debaixo do Sol, tentando imitá-lo, absorver sua cor e se igualar a ele em brilho. Essa atitude representa sua vaidade levada ao extremo, como se ele pudesse se transformar em algo tão absoluto quanto o Sol.
O Sol, indiferente à tentativa do camaleão, continua a brilhar com sua luz inabalável, fazendo o camaleão perceber sua pequenez. Ao tentar tornar-se algo que não é, o camaleão sofre as consequências físicas e simbólicas de sua pretensão, expondo sua fragilidade diante da grandeza do universo.
Millôr utiliza esse embate simbólico para refletir sobre o ser humano que, muitas vezes, tenta se equiparar a forças muito além de sua compreensão. É uma crítica sutil à arrogância, ao narcisismo e à tentativa de manipular a própria imagem para parecer mais do que realmente se é.
A fábula também discute a questão da identidade fluida. O camaleão, que não possui uma cor fixa, representa aqueles que moldam sua personalidade para se adequar aos outros ou se destacar — mas que, ao fazer isso, perdem o sentido do próprio “eu”. A mudança constante, quando usada por vaidade, se torna autodestrutiva.
O humor refinado de Millôr aparece na forma como ele trata a tragédia do camaleão com leveza, quase como um gracejo filosófico. Ele convida o leitor a rir, mas também a pensar: até que ponto nossa imagem é mais importante que nosso conteúdo?
No fim da narrativa, o camaleão não é derrotado por um inimigo, mas por sua própria ilusão. Ao tentar absorver o brilho do Sol, ele se desfaz, como se sua essência fosse dissolvida pela verdade absoluta da luz. Essa imagem poética resume a ideia de que nenhum brilho artificial pode ofuscar o que é autêntico.
“O Camaleão e o Sol” é mais do que uma fábula infantil — é uma parábola moderna sobre vaidade, identidade e humildade. Millôr Fernandes, com poucas palavras, oferece uma lição profunda sobre a importância de aceitar quem somos e reconhecer os limites do nosso próprio poder diante da grandeza do mundo.