Nesta breve e profunda parábola escrita por Fiódor Dostoiévski, intitulada “O Mendigo e o Tolo”, o autor russo conduz o leitor a uma reflexão sobre generosidade, orgulho e a verdadeira essência da compaixão. Com sua prosa marcada pela densidade psicológica e moral, Dostoiévski constrói uma narrativa simples, mas repleta de simbolismo e crítica social.
A história gira em torno de um mendigo que, ao estender a mão a um homem rico e altivo, recebe em troca não uma moeda, mas um gesto sarcástico: o homem, em tom zombeteiro, entrega-lhe uma pedra, apenas para divertir-se com o desespero do pedinte. Contudo, em vez de se revoltar, o mendigo agradece com sinceridade e guarda a pedra com carinho, como se tivesse recebido um tesouro.
Esse gesto incompreensível — agradecer mesmo diante da crueldade — transforma o tom da fábula. O mendigo, considerado tolo aos olhos da sociedade, revela-se o verdadeiro sábio. Sua humildade desarma a malícia do homem rico, que, tomado por um sentimento inédito de vergonha e arrependimento, passa a reconsiderar seu comportamento diante da miséria humana.
Dostoiévski, como em muitas de suas obras, insere uma tensão entre o orgulho humano e a compaixão cristã. O mendigo simboliza o Cristo oculto na figura do desprezado, aquele que, mesmo ferido pela indiferença do mundo, permanece pleno de dignidade. Já o rico representa a arrogância da razão sem alma — a inteligência que, desprovida de empatia, torna-se instrumento de escárnio.
A narrativa também convida o leitor a questionar quem é, de fato, o tolo da história. Seria o mendigo, que aceita com gratidão o pouco que recebe, ou o homem que, ao zombar da miséria alheia, revela sua própria pobreza de espírito? O título da fábula é, portanto, uma provocação: a tolice está na humildade ou na falta de compaixão?
A simbologia da pedra também merece atenção. Na tradição cristã, a pedra é imagem de fundamento, de solidez, de promessa. Assim, o mendigo transforma o insulto em algo sagrado, dando novo significado a um gesto que pretendia humilhá-lo. Em sua resposta inesperada, ele quebra o ciclo da ofensa com uma força desarmante: o perdão.
Escrita em forma breve, “O Mendigo e o Tolo” mostra como Dostoiévski sabia condensar suas grandes obsessões filosóficas e espirituais mesmo em narrativas curtas. A fábula é um lembrete poderoso de que a verdadeira sabedoria pode morar onde menos se espera — e que, às vezes, um gesto de gratidão silenciosa é mais revolucionário do que qualquer protesto.
Mais do que uma simples crítica à desigualdade social, essa pequena joia literária toca em valores éticos profundos: a dignidade do ser humano, a força do bem diante da maldade e a possibilidade de redenção mesmo para os mais cínicos.