Publicado em 1898, Pelo Sertão é uma coletânea de contos escrita por Afonso Arinos que retrata com sensibilidade e precisão a vida no sertão mineiro. A obra se destaca por seu realismo regionalista, apresentando narrativas curtas marcadas por uma linguagem simples, direta e carregada de oralidade.
Os contos giram em torno de figuras típicas do interior do Brasil: vaqueiros, jagunços, beatas, curandeiros, padres, coronéis e lavradores. São personagens que enfrentam as agruras da seca, do isolamento, da pobreza e da dureza da vida sertaneja, mas que também revelam uma sabedoria própria e valores profundamente enraizados na cultura local.
Afonso Arinos faz uma crítica sutil ao abandono do sertão pelas autoridades, mostrando como os sertanejos vivem à margem do progresso e da modernidade que se espalhava pelo Brasil urbano. Através das histórias, o autor denuncia a desigualdade social, os conflitos de terra e a violência presente no interior.
Apesar do tom crítico, o autor nunca perde o respeito pelos seus personagens. Ao contrário, demonstra grande empatia, valorizando o modo de vida do sertanejo e sua relação com a natureza, a religiosidade e as tradições populares. Essa valorização do regionalismo é uma das marcas do pré-modernismo, período literário ao qual a obra pertence.
O conto mais famoso da coletânea é “O Compadre”, em que um homem simples decide fazer uma longa viagem a pé para visitar o compadre doente. A história evidencia a força dos laços afetivos e da solidariedade entre os sertanejos, mesmo diante das dificuldades impostas pela geografia e pela miséria.
A linguagem dos contos é marcada por um estilo oral, com construções que imitam o jeito de falar dos sertanejos. Essa escolha estilística contribui para a autenticidade das narrativas e aproxima o leitor da realidade descrita. Afonso Arinos mostra que o falar popular é parte da identidade cultural do Brasil profundo.
O sertão mineiro é quase um personagem nas histórias. A paisagem seca, os caminhos tortuosos, as vilas esquecidas e as distâncias imensas compõem o cenário onde se desenrolam os dramas humanos. O ambiente hostil molda os hábitos, as crenças e os dilemas dos personagens.
Pelo Sertão é, assim, um retrato profundo e humano do Brasil interiorano do final do século XIX. A obra antecipa preocupações que seriam centrais na literatura modernista e se alinha com autores como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato na construção de uma literatura nacional comprometida com a realidade brasileira.
Afonso Arinos, com sua prosa enxuta e poderosa, deixa em Pelo Sertão um legado importante: mostrar que o sertão, muitas vezes esquecido, tem voz, tem cultura e tem histórias que merecem ser contadas. Um livro essencial para compreender a alma sertaneja e os contrastes do país.