Em “Os Malaquias”, romance vencedor do Prêmio José Saramago de 2011, Andréa Del Fuego constrói uma narrativa lírica e intensa sobre os destinos marcados pela tragédia e pela ausência. O livro acompanha a trajetória de três irmãos — Nico, Antônio e Julia Malaquias — que, após perderem os pais atingidos por um raio, são separados ainda crianças e enviados a diferentes instituições e lares.
A partir desse ponto de ruptura, a autora tece um romance de formação, com cada capítulo abordando os caminhos solitários e as descobertas existenciais dos irmãos. A ausência da família e o silêncio do passado moldam profundamente seus afetos e suas visões de mundo. A dor da separação e a dificuldade em encontrar pertencimento permeiam toda a narrativa.
A linguagem de Andréa Del Fuego é singular: densa, poética, com metáforas marcantes e ritmo próprio. Seu estilo se aproxima do realismo mágico em diversos momentos, misturando o cotidiano ao fantástico de maneira fluida e original. O interior do Brasil serve como pano de fundo simbólico e metafísico, onde o tempo parece se distorcer e os eventos adquirem uma dimensão mítica.
“Os Malaquias” trata também da religiosidade popular, do corpo, do desejo e da loucura. Os personagens, ainda que marcados por traumas, não são passivos diante do destino. Cada um lida com a perda à sua maneira: Nico busca o conhecimento e a racionalidade, Antônio se entrega aos instintos e Julia transita entre o sagrado e o erótico.
O romance não entrega respostas fáceis. Ao contrário, provoca o leitor com suas lacunas, deslocamentos temporais e episódios fragmentados. A reconstrução da memória, da identidade e dos laços familiares ocorre de forma não linear, exigindo envolvimento e sensibilidade.
Além da história dos Malaquias, o livro é uma profunda reflexão sobre a solidão e a resistência. Andréa Del Fuego mostra que mesmo quando privados de origens ou certezas, os indivíduos podem reinventar-se, mesmo que à custa de dor.
A prosa da autora, ao mesmo tempo econômica e simbólica, revela maturidade literária e domínio estético. “Os Malaquias” é uma obra marcada por contrastes — delicadeza e brutalidade, ausência e desejo — que permanecem com o leitor após a última página.
Trata-se, enfim, de um romance que explora as profundezas da perda e da reconstrução, oferecendo uma leitura intensa, sensorial e profundamente humana