Em “Os Cães do Arame”, J. M. Casanova nos transporta para um cenário onde a brutalidade e a delicadeza coexistem, explorando os limites da humanidade em um ambiente hostil. A narrativa se desenrola em uma região periférica dominada por cercas, cães ferozes e um silêncio que carrega histórias não ditas.
A obra gira em torno de personagens marginalizados, marcados pela violência estrutural e emocional. Casanova constrói figuras densas, que sobrevivem entre a submissão e a rebeldia, num ambiente em que o arame farpado não separa apenas territórios, mas também classes, afetos e perspectivas de vida.
Com uma escrita seca, incisiva e poética, o autor retrata a infância, a pobreza, a violência policial e o cotidiano urbano distorcido. Cada parágrafo parece carregado de tensão, como se a qualquer momento algo pudesse explodir — e frequentemente explode.
Os cães do título surgem como símbolos de vigilância, ameaça e resistência. Estão sempre ali, vigiando, prontos para atacar ou para proteger, dependendo de quem os observa. Eles são metáfora e realidade, representando o medo, o instinto, a fidelidade e também o abandono.
Casanova escolhe a periferia como lugar de potência literária. Seus personagens não são estereótipos, mas indivíduos com desejos, memórias e feridas. Há uma tentativa constante de manter a dignidade mesmo quando tudo ao redor parece conspirar contra ela.
O tempo da narrativa é fragmentado, oscilando entre lembranças, alucinações e episódios de brutalidade. Há também momentos de lirismo inesperado, em que pequenas alegrias — como um olhar, um gesto ou um silêncio compartilhado — se tornam resistências.
“Os Cães do Arame” se insere numa tradição de literatura urbana, crua e politizada, dialogando com autores como Ferréz e Marcelino Freire, mas com uma voz própria. Casanova não busca amenizar a dor ou embelezar a tragédia — ele a expõe com a força de quem conhece por dentro o que escreve.
Trata-se de um romance que incomoda e emociona. Um livro que late, sangra e pulsa. Um retrato urgente de um Brasil que muitos preferem ignorar, mas que J. M. Casanova coloca no centro da literatura, com a coragem de quem entende que toda vida merece ser narrada.