Na fábula “O Macaco e o Peixe”, Jean de La Fontaine apresenta uma crítica afiada à ignorância disfarçada de compaixão. A história gira em torno de um macaco que, diante de uma enchente, vê peixes nadando com agilidade e, acreditando que estão em perigo, decide “salvá-los” tirando-os da água. O resultado, obviamente, é trágico para os peixes. O macaco, porém, sente-se virtuoso por seu ato, sem compreender a destruição que causou.
Essa breve narrativa carrega um ensinamento poderoso: a boa intenção não basta quando acompanhada da ignorância. La Fontaine, com sua mestria habitual, utiliza animais para expor vícios humanos — nesse caso, a tendência de projetar nossa visão de mundo nos outros, agindo em nome de um bem que não compreendemos.
O macaco age com empatia equivocada. Ele julga que o que é vital para si (o ar) também é essencial para os peixes, ignorando suas diferenças. O gesto, embora aparentemente altruísta, é fruto da arrogância e da falta de escuta — uma crítica que permanece atual em tempos de intervenções desinformadas e discursos salvacionistas.
A fábula também serve como advertência para líderes, educadores e missionários de qualquer espécie. Antes de agir pelo outro, é preciso compreendê-lo. A compaixão, sem conhecimento, pode ser tão danosa quanto a indiferença. La Fontaine, com ironia sutil, nos lembra que a ignorância bem-intencionada é uma forma de violência.
No contexto literário, essa história destaca a genialidade do fabulista francês em condensar temas filosóficos e morais em narrativas simples, acessíveis, mas cheias de camadas. A fábula não oferece respostas fáceis — ela incita reflexão sobre os limites da empatia, da intervenção e da moralidade imposta.
Ao retratar o macaco como símbolo do humano que acredita saber o que é melhor para os outros sem consultá-los, La Fontaine desmonta a pretensão civilizatória que muitas vezes ignora culturas, modos de vida e necessidades distintas. O erro do macaco não é apenas cômico — é profundamente trágico e revelador.
“O Macaco e o Peixe” é, portanto, mais do que uma fábula infantil: é uma crítica social disfarçada de historinha leve. Sua lição continua ressoando em ambientes educacionais, políticos e culturais, nos fazendo questionar até que ponto compreendemos aqueles a quem dizemos querer ajudar.
A sabedoria de La Fontaine está justamente em mostrar que, por trás de um gesto de aparente bondade, pode habitar um ego inflado e uma ignorância cega. Por isso, a fábula nos convida à escuta, à humildade e ao reconhecimento das diferenças — antes que nossa ajuda se torne um fardo fatal.