“Os Malaquias”, de Andréa del Fuego, é um romance poético e simbólico que acompanha a trajetória dos três irmãos Malaquias após a trágica morte dos pais, atingidos por um raio. Ambientado em um Brasil rural e atemporal, a narrativa mescla realismo mágico e lirismo, conduzindo o leitor por um universo marcado por perdas, deslocamentos e transformações.
Logo no início, a morte dos pais funciona como um catalisador que separa os irmãos Nico, Antônio e Julia. Órfãos e sozinhos, cada um é entregue a uma família diferente, inaugurando caminhos de vida distintos que serão explorados ao longo da narrativa. A separação precoce e involuntária marca profundamente suas identidades, acentuando o sentimento de ausência e o desejo de reencontro.
A história se desdobra através de capítulos que alternam focos narrativos, permitindo ao leitor acompanhar os destinos de cada personagem. Nico, que possui uma deformidade física, vive em reclusão e silêncio; Antônio, o mais curioso e inquieto, encontra refúgio no conhecimento científico; já Julia segue um percurso de amadurecimento sensível e silencioso, moldado por afetos e descobertas.
Andréa del Fuego utiliza uma prosa rica em imagens, onde o fantástico se funde ao cotidiano. O raio que mata os pais é apenas o primeiro elemento sobrenatural de uma narrativa permeada por eventos simbólicos e poéticos. O corpo e a natureza se entrelaçam como temas centrais, refletindo a fragilidade humana e a força do acaso.
O tempo no romance é subjetivo e não-linear, seguindo mais o ritmo das emoções e lembranças do que o da cronologia objetiva. As passagens da infância à vida adulta ocorrem de maneira fluida, com destaque para os momentos de epifania e ruptura. O enredo não busca o espetáculo, mas a densidade emocional das pequenas experiências.
A linguagem é outro destaque da obra. Del Fuego constrói frases densas e, ao mesmo tempo, delicadas, que exploram o sensorial e o espiritual. Os silêncios e as pausas têm tanto peso quanto as ações, e a introspecção dos personagens é tratada com respeito e profundidade.
Embora separados, os irmãos carregam uma ligação invisível que os une em sonhos, lembranças e intuições. A perda dos pais e da convivência fraterna é também o ponto de partida para a construção de novas identidades, onde cada um precisa aprender a lidar com o luto, o crescimento e a busca por sentido.
“Os Malaquias” trata, sobretudo, da infância interrompida, da reconstrução subjetiva diante da tragédia e da delicadeza dos vínculos humanos. É uma história de dor, mas também de resistência silenciosa, onde o amor fraterno sobrevive mesmo à distância e ao esquecimento.
Ao final, o livro não oferece respostas definitivas, mas convida o leitor à contemplação e à escuta das vozes que ecoam no silêncio da perda. Com lirismo e profundidade, Andréa del Fuego compõe um romance inesquecível sobre a força do vínculo e a poesia que resiste mesmo nas cicatrizes mais fundas da existência.