Adelaide Carraro, conhecida por seus romances dramáticos com forte teor social e moral, entrega em “O Casarão da Rua do Rosário” uma narrativa marcada por segredos, decadência moral e os contrastes entre aparência e essência. O casarão do título não é apenas um espaço físico: é símbolo da hipocrisia, da repressão e dos conflitos familiares escondidos sob as aparências respeitáveis.
A história gira em torno de uma tradicional família paulistana, marcada por rigidez, orgulho e segredos sombrios. O patriarca, dono de valores conservadores, mantém a casa sob um controle quase tirânico, sufocando os desejos individuais de seus filhos e esposa. No casarão, cada cômodo parece guardar lembranças dolorosas, repressões e fantasmas do passado.
Carraro descreve esse ambiente como sombrio e opressivo, reforçando a ideia de que a respeitabilidade social muitas vezes esconde relações doentias e silêncios forçados. As paredes do casarão guardam memórias de traições, imposições religiosas, violência velada e uma constante sensação de claustrofobia emocional.
Ao longo da narrativa, os personagens femininos são especialmente marcantes: mulheres que tentam, à sua maneira, resistir ou se adequar aos padrões impostos. A autora expõe os dramas de jovens que veem seus destinos traçados por decisões alheias, impedidas de viver o amor, a liberdade ou a própria identidade.
Entre amores proibidos, episódios de culpa e remorso, e a constante tensão familiar, a história revela os impactos da moral religiosa e da tradição na formação dos indivíduos. A figura do clero, tão presente em outros romances da autora, também aparece como símbolo de repressão e conveniência.
O enredo caminha para um desfecho carregado de dramaticidade, como é característico de Carraro. Quando verdades vêm à tona e as máscaras caem, o casarão, que parecia tão sólido, mostra suas rachaduras – tanto físicas quanto simbólicas. É como se a própria estrutura da família ruísse junto com os pilares da hipocrisia.
Adelaide Carraro tece críticas sociais por meio da intimidade dos dramas pessoais. Ao narrar as dores daquela casa, ela denuncia os abusos cometidos em nome da tradição e da fé, chamando o leitor à reflexão sobre a liberdade individual e o peso das convenções.
Apesar de escrito há décadas, o livro ainda dialoga com temas atuais como o conservadorismo, o papel da mulher na sociedade, e as consequências de se viver para agradar os outros em detrimento de si mesmo. O casarão, afinal, representa todas as casas em que a verdade foi silenciada.
“O Casarão da Rua do Rosário” é um exemplo contundente do estilo de Adelaide Carraro: direto, emocional, com crítica social afiada e uma capacidade ímpar de comover e indignar ao mesmo tempo. Um retrato de um Brasil que ainda insiste em manter certas portas trancadas.